Relatos e Reflexões de um Voluntariado em Moçambique
“Eu acreditava que o meu coração véio, calejado de tanto chorar, não fosse mais aguentar, tamanha a emoção vivida a cada escuta daquelas crianças, a cada abraço e trabalho realizado naquela comunidade.”
O propósito maior pelo qual eu sempre quis viajar à África era experimentar algo que transcendesse ao turismo tradicional. Eu sempre quis ter uma vivência única e assim eu sonhei. Esse sonho era um tanto distante em função da situação em que eu me encontrava no momento, mas confesso, nunca parei de imaginar eu estando lá um dia.
Foi quase um mês, período no qual eu não vi o tempo passar. Eu chorei, sorri, trabalhei, me diverti e vi pelas minhas lágrimas o meu propósito acontecer. Quebrei estereótipos, pratiquei a tolerância, o respeito e aprendi a dar voz a um povo historicamente oprimido. Sempre ouvi pessoas que fazem voluntariado dizer: “Quando faço o voluntariado, eu sou mais ajudado em relação a quem eu pretendo de fato ajudar”. É uma boa reflexão, mas confesso que me soava apenas como retórica. A emoção e a comoção instigavam-me cada vez mais a achar algum sentido para tudo àquilo que estava vivendo naquele momento. Perpassando por tantas inquietações, tinha a certeza que cada dia eu nada sabia sobre o que estava acontecendo lá em Moçambique.
VIVÊNCIAS QUE SUSCITAM REFLEXÕES
Iniciei a refletir sobre alguns pontos e comecei a escrever um relato de tudo aquilo, fazendo uma analogia com a música do Titãs “Comida”: “Você tem fome de que? Você tem sede de que? Bebida é Água! Comida é Pasto!“. Esta música fala de várias “fomes” e “sedes”. A fome e a sede orgânica que todos, em tese, conhecem e eu na época, como estudante de nutrição, achei oportuno trazer reflexões a respeito.
E em Moçambique, existe miséria? Essa pergunta sempre me perseguia logo após a minha chegada. As pessoas a partir do meu relato desta vivência acabavam de uma forma ou outra me questionando. Bom, eu pensava e respondia: “Olha, depende do ponto de vista de cada um. Pobreza e riqueza são conceitos subjetivos e pessoais.”. Ainda hoje estas indagações se fazem presente.
Se for falar em termos de alimentação e saúde, aí sim, existe miséria. Miséria no sentido de algo que não se tem acesso; é escasso. E o cenário para ilustrar estas palavras, vem à imagem das feiras de alimentos comercializados na cidade de Beira, em meio à pobreza, poluição, calor, enfim, sem o mínimo de preocupação com a saúde. Percebo nos Moçambicanos uma vontade e uma necessidade enorme de saciarem a “fome” da sobrevivência e a “sede” de lutar sempre.
Fazendo uma ligação com os países desenvolvidos, eu acredito que existam fomes geradas por sua modernidade, pelo capitalismo e pelo hiperconsumo. Fomes estas, advindas a partir da angústia do compromisso em ser “super” em tudo: super pai, super filha, excelente empregado e o melhor estudante. Realidade, esta, que assombra as grandes metrópoles que correm contra o tempo e lutam para enquadrarem-se em padrões e em cobranças impostas pela sociedade.
Hoje, posso responder com convicção sobre o questionamento acerca do sentido do que é fazer voluntariado; que outrora soava-me como retórica:
– Quando faço o voluntariado, eu sou mais ajudado em relação a quem eu pretendo de fato ajudar!
O trabalho voluntário transformou a minha vida para melhor. Me tornou mais humana e mais sensível.
Compartilho com vocês mais algumas imagens que falam por si de toda entrega e envolvimento que essa experiência me proporcionou.