Desigualdade Social e Ansiedade: a cultura de paz como atividade preventiva
Neste texto buscou-se apresentar os níveis de ansiedade no Brasil, bem como seus diferentes causadores e a interseção entre ambos no que diz respeito a produção de sofrimento. Ademais, foi apresentada a Cultura de Paz como uma alternativa no combate a esse sofrimento à medida que essa ferramenta trabalha os atravessamentos de cada aspecto implicado no instituído da sociedade. Para isso, acreditamos que a Terapia Comunitária Integrativa, especialmente nas escolas, seja uma ferramenta possível nesse processo para promoção de saúde mental e emocional.
Vivemos numa sociedade ansiosa?
Nossa vida cotidiana encontra-se mergulhada numa dinâmica de extrema intensidade, com inovações tecnológicas cada vez mais sofisticadas, com acesso às informações (e desinformações) numa velocidade frenética, com estímulos à cultura do materialismo e consumismo, além de efeitos complexos nas relações sociais.
Podemos dizer que a sociedade é muito mais inquieta nos dias de hoje. Além disso, mais responsabilidades são assumidas pelas pessoas para serem cumpridas em menos tempo. Toda essa onda de agitação acaba refletindo (consciente ou inconscientemente) no comportamento das pessoas, ampliando, assim, seus graus de ansiedade.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país com maior índice de ansiedade no mundo. Os dados apresentados pela revista Veja Saúde em 2017 é de que mais de 9% dos brasileiros apresentam quadros de ansiedade.
Esse quadro cada vez maior dos casos de ansiedade tende a impactar negativamente a conduta das pessoas, onde muitas vezes as mesmas acabam tendo seus graus de tolerância e empatia muito reduzidos. Esses fatores podem agravar a situação do aumento da violência. Além disso, de acordo com portal Minha Vida, a ansiedade em excesso pode gerar uma série de prejuízos, como por exemplo:
- Pior qualidade de vida (auto-relatada);
- Maior uso de serviços de saúde;
- Comprometimento de desempenho acadêmico e profissional;
- Depressão;
- Abuso de substâncias;
- Insônia;
- Problemas digestivos;
- Isolamento social;
- Problemas nos estudos, trabalho e vida pessoal;
- Suicídio.
Mas o que gera índices tão elevados de ansiedade?
Na visão de Camilla Oleiro Costa (2019), uma resposta possível seria a desigualdade social vigente no país. Um estudo realizado na região Sul do país, na cidade de Pelotas, apresenta alguns fatores que são produtores de ansiedade tais como: acesso ao serviço de saúde, fatores econômicos, preocupação com emprego e violência contra a mulher.
Este fato é ainda mais agravante nas mulheres. De acordo com o estudo mencionado anteriormente, as mulheres possuem um índice de ansiedade maior em relação aos homens. O presente estudo identificou que os indivíduos do sexo feminino, com menos anos de estudo, baixo nível socioeconômico, histórico de doenças crônicas, usuários de tabaco e abusadores de álcool foram os que apresentaram maior probabilidade de apresentar transtornos de ansiedade. A isso, se deve o fato das desigualdades de gênero, como também as discriminações que diversos grupos de mulheres sofrem. Esse efeito aumenta à medida que esses grupos se sobrepõem e sofrem uma interseção, termo cunhado por Crenshaw (2004). A nível de exemplo, a mulher negra sofrerá mais ansiedade em relação a mulher branca dada a discriminação racial existente no país.
Vemos que a desigualdade social ocasiona muitos outros danos, perpassando a própria desigualdade em si. Nós acreditamos que políticas públicas efetivas devam ser implementadas e avaliadas constantemente a fim de medir o impacto social gerado e, por consequência, aferir a redução das desigualdade sociais com mais precisão. Além disso, ações preventivas desempenham um papel de extrema relevância, tendo em vista que atuam nas causas do problema.
A Desigualdade Social e a Violência
A violência é um fator alarmante que está intimamente ligado a desigualdade social. Um estudo sobre a violência, realizado por Ribeiro e Cano (2016), analisou as seguintes variáveis:
- Características demográficas: estrutura, dinâmica e composição;
- Estrutura socioeconômica: renda, pobreza, desigualdade de renda;
- Mercado de trabalho: atividade, desocupação, informalidade;
- Educação: nível educacional, atendimento à escola, fluxos discentes;
- Serviços urbanos, condições de vida e de moradia;
- Vulnerabilidade familiar e estilos de vida;
- Políticas públicas e despesas orçamentárias municipais.
Os autores concluíram que “a incidência da violência letal parece fortemente associada a elementos estruturais, demográficos e socioeconômicos”.
Ademais, segundo publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) “Atlas da Violência“, a desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil. A taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um aumento de 3,3%.” O que evidencia a violência contra a população negra e a necessidade de atitudes que visem amenizar esses números.
Nesse sentido, a cultura de paz se faz presente como uma ferramenta muito importante, tanto no combate a violência quanto na amenização da ansiedade. O Instituto Alce percebe a necessidade de agir num contexto onde a maioria da população jovem se encontra e está formando sua personalidade, bem como se constituindo enquanto cidadão. A experiência no ambiente escolar influencia significativamente nas relações sociais dos indivíduos, por isso, é importante atuar nesse ambiente.
A Cultura de Paz como ação preventiva
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Declaração sobre uma Cultura de Paz:
“A cultura de paz é definida como um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito pleno à vida e na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento da paz entre as pessoas, os grupos e as nações.
Uma ferramenta embasada nos princípios da Cultura de Paz é a Terapia Comunitária Integrativa (TCI). No que tange ao contexto escolar, ela é uma possibilidade para o aluno quebrar paradigmas e exercer a liberdade do livre pensar, além de escutar sem julgamentos outros colegas. Todas as problemáticas já citadas serão abordadas de maneira temática nas rodas de TCI, buscando a disseminar a cultura de paz. Diante dessa possibilidade de atuar preventivamente através da cultura de paz, o Instituto Alce possui um projeto nesse sentido: Roda de Terapia Comunitária nas Escolas como Promoção da Cultura de Paz.
Na linha de pensamento Vigotskiano, Ribas e Moura (2006, p. 130) afirmam que “a atividade psicológica interna do indivíduo tem sua origem na atividade externa, nas trocas com os outros membros do grupo social, trocas que se inserem num determinado contexto social”. Por conseguinte, acredita-se que há uma potência criativa de empoderamento do Eu estimulada pelas trocas, pela escuta ativa na cultura de paz, especificamente a TCI, devido ao convívio grupal.
O processo desejado é amenizar os prejuízos da desigualdade social, incentivar a autonomia dos sujeitos, bem como a sua conscientização a respeito das diferentes formas de vida, através da escuta, o que irá impactar na diminuição da violência. Além disso, a participação ativa na roda de TCI propõe um acolhimento e um sentimento de pertença, um espaço para que o indivíduo possa se ancorar.
Dessa forma, tal como acontece a sobreposição dos grupos nas questões de gênero e raça, também acontece uma interseção nas formas de sofrimento: uma pessoa que sofre ansiedade por medo da violência nas ruas, ou uma mulher negra que também tem medo da violência e sofre violência e discriminação em função de sua raça e seu gênero, ou ainda, por sua escolha sexual. Acredita-se que lidando diretamente com a palavra e a escuta (e buscando acolher pessoas em situação de vulnerabilidade) essa intersecionalidade irá aparecer e, trazendo-a a tona, se permitirá que os indivíduos busquem recursos e forças para afirmar a potência da sua existência.